Texto - 2ª série - 2016-Turmas 2008/2009 e 2010
Tema : Multicelularidade
Evolução : Organismo unicelular pode explicar origem do reino animal
Espécie descoberta em 2002
pode esclarecer o que tornou possível o aparecimento dos animais, algo
que até hoje não foi plenamente entendido ( The New York Times)
A origem dos animais é um dos episódios mais misteriosos na história da
vida. A transformação de um organismo unicelular em um coletivo de um
trilhão de células exige uma enorme reestruturação genética.Espreitando
no sangue de caracóis tropicais há uma criatura unicelular chamada Capsaspora owczarzaki.
Esta espécie ameboide com “tentáculos” é tão obscura que ninguém a
havia notado até 2002. Mesmo assim, em poucos anos ela passou do
anonimato a foco do mundo científico. Acontece que ela é um dos parentes
mais próximos dos animais. Por incrível que pareça, nossos ancestrais
há um bilhão de anos eram bem semelhantes à Capsaspora.
A origem dos animais foi uma das transformações mais extraordinárias e
importantes na história da vida. Eles evoluíram de ancestrais
unicelulares até uma profusão de complexidade e diversidade. Hoje
estima-se que sete milhões de espécies de animais vivem na Terra, desde
vermes tubícolas no fundo do oceano a elefantes se arrastando
pesadamente pela savana africana. Seus corpos podem conter trilhões de
células capazes de se transformar em músculos, ossos e centenas de
outros tipos de tecidos e de células.
O amanhecer do reino animal, cerca de 800 milhões de anos atrás, também
foi uma revolução ecológica. Os animais devoraram os tapetes microbianos
que haviam dominado os oceanos por mais de 2 bilhões de anos e criaram
seus próprios habitats, como os recifes de corais. A origem dos
animais é um dos episódios mais misteriosos na história da vida. A
transformação de um organismo unicelular em um coletivo de um trilhão de
células exige uma enorme reestruturação genética. A espécie
intermediária que poderia mostrar como a transição aconteceu está
extinta.
“Estão faltando apenas os passos intermediários”, afirmou Nicole King,
bióloga evolutiva da Universidade da Califórnia em Berkeley.
Pistas evolutivas — Para entender como os animais assumiram esta
forma de vida peculiar, os cientistas estão reunindo diversas linhas de
indícios. Alguns usam martelos de pedra para retroceder ao registro
fóssil de animais dezenas de milhões de anos atrás. Outros estão
encontrando assinaturas químicas de animais em pedras antigas. Ainda há
um terceiro grupo examinando os genomas de animais e de seus parentes
como a “Capsaspora” para reconstruir a árvore evolutiva dos animais e de
seus parentes mais próximos. Surpreendentemente, eles descobriram que
muito do equipamento genético para a formação de um animal já existia
bem antes do próprio reino animal.
Foi apenas nos últimos anos que os cientistas chegaram a uma noção
consistente do que são os parentes mais próximos dos animais. Em 2007 o
National Human Genome Research Institute iniciou um projeto
internacional para comparar o DNA de diferentes espécies e traçar uma
árvore genealógica.
Os primos dos animais são um grupo diversificado. Ao lado da habitante de caracóis, a Capsaspora,
nossos parentes mais próximos incluem coanoflagelados, criaturas
semelhantes a ameboides que vivem em água limpa, na qual elas caçam
bactérias.
Agora os cientistas estão tentando entender como um organismo unicelular como a Capsaspora ou um coanoflagelado se tornou um animal pluricelular.
Por sorte eles podem obter algumas pistas a partir de outros casos nos
quais micróbios fizeram a mesma transição. Plantas e fungos evoluíram de
ancestrais unicelulares, bem como dúzias de outras linhagens menos
familiares, de algas pardas a fungos mixomicetos.
A pluricelularidade primitiva pode ter evoluído com certa facilidade.
“Tudo que precisa acontecer é que os produtos da divisão celular se
mantenham unidos”, disse Richard E. Michod, da Universidade do Arizona.
Uma vez que organismos unicelulares passaram permanentemente para
colônias, começaram a se especializar em funções diferentes. Esta
divisão de trabalho tornou as colônias mais eficientes. Elas conseguiam
crescer mais rápido do que colônias menos especializadas.
Em determinado ponto a divisão de trabalho pode ter levado muitas
células dos protoanimais a perder sua habilidade de reprodução. Apenas
um pequeno número de células ainda fabricava as proteínas necessárias
para produzir descendentes. Assim, as células no resto do corpo poderiam
se concentrar em funções como juntar alimento e lutar contra doenças.
“Não é um obstáculo”, afirmou Bernd Schierwater, da Universidade de
Medicina Veterinária em Hannover, Alemanha. “É uma ótima maneira de ser
muito eficiente”.
Reciclagem de células — Mas a multicelularidade também lançou
novos desafios aos ancestrais dos animais. “Quando há morte de células
num grupo, elas podem intoxicar umas às outras”, afirmou Michod. Nos
animais as células morrem de forma ordenada, assim elas liberam
relativamente poucas toxinas. E ocorre o contrário: as células que estão
morrendo podem ser recicladas por suas companheiras vivas.
Outro perigo apresentado pela pluricelularidade é a capacidade de uma
única célula de crescer às custas de outras. Hoje esse perigo ainda
assombra: o câncer é o resultado de algumas células se recusando a jogar
pelas mesmas regras que as demais no nosso corpo.
Mesmo simples organismos multicelulares têm defesas evoluídas contra
esses trapaceiros. Um grupo de algas verdes conhecido como “volvox”
desenvolveu um limite para o número de vezes que qualquer célula pode se
dividir. “Isso ajuda a reduzir o potencial de células serem renegadas”,
disse Michod.
Para descobrir as soluções que os animais desenvolveram os pesquisadores
agora estão sequenciando os genomas dos seus parentes unicelulares.
Eles têm descoberto uma profusão de genes que se acreditava existir
apenas em animais.
Genes em comum — Para decifrar as soluções que os animais
desenvolveram, os pesquisadores agora estão sequenciando os genomas de
seus parentes unicelulares. Inaki Ruiz-Trillo, da Universidade de
Barcelona, na Espanha, e seus colegas, estudaram o genoma “Capsaspora”
procurando por um grupo importante de genes que codifica proteínas
chamadas fatores de transcrição. Fatores de transcrição ativam e
desativam outros genes e alguns deles são vitais para a transformação de
um óvulo fertilizado no corpo de um animal complexo.
Na última edição de Molecular Biology and Evolution, Ruiz-Trillo e seus colegas relatam que aCapsaspora possui vários fatores de transcrição que se acreditava serem exclusivos dos animais. Por exemplo: eles encontraram um gene na Capsaspora que
é quase idêntico ao gene animal Brachyury. Nos humanos e em muitas
outras espécies animais o Brachyury é essencial para o desenvolvimento
dos embriões, designando uma camada de células que se tornarão o
esqueleto e os músculos.
Ruiz-Trillo e seus colegas não têm ideia do que a “Capsaspora” faz com
um gene Brachyury. Neste momento eles estão fazendo experimentos para
descobrir. Enquanto isso, Ruiz-Trillo especula que parentes unicelulares
dos animais usam o gene Brachyury, junto com outros fatores de
transcrição, para ativar genes para outras funções. “Eles têm de
conhecer seu ambiente”, disse Ruiz-Trillo. “Eles têm de se unir a outros
organismos. Eles têm de comer presas”.
Estudos de outros cientistas apontam para a mesma conclusão: muitos dos
genes que se pensava serem exclusivos do reino animal estavam presentes
nos ancestrais unicelulares dos animais. “A origem dos animais dependeu
de genes que já estavam em seus lugares”, disse King. King defende que
na transição para animais plenos esses genes foram cooptados para
controlar um corpo multicelular. Genes antigos começaram a exercer novas
funções, como produzir a cola para manter as células unidas e que
poderiam se transformar em tumores.
Esponjas — Por décadas paleontólogos procuraram pelos fósseis que
registrassem esta transição até os primeiros animais. Ano passado, Adam
Maloof, de Princeton, e seus colegas publicaram com detalhes o que eles
sugerem que sejam os fósseis animais mais antigos já encontrados. Os
despojos, descobertos na Austrália, datam de 650 milhões de anos
atrás. Eles contêm internamente redes de poros, similares aos canais
existentes em esponjas vivas.
As esponjas também podem ter abandonado traços antigos. Gordon Love, da
Universidade da Califórnia em Riverside, e seus colegas perfuraram
depósitos de petróleo na Austrália datando de pelo menos 635 milhões de
anos atrás. Na mistura de hidrocarbonos retirados, eles encontraram
moléculas do tipo do colesterol que hoje são produzidas apenas por um
grupo de esponjas.
O fato de as esponjas aparecerem tão cedo nos registros fósseis
provavelmente não é coincidência. Estudos recentes sobre genomas de
animais indicam que elas estão entre as linhagens mais antigas de
animais viventes – se não são a mais antiga. As esponjas também são
relativamente simples se comparadas à maioria dos outros animais. Elas
não têm cérebro, estômagos ou vasos sanguíneos.
Apesar de sua aparente simplicidade, elas possuem carteirinhas de
membros do reino animal. Assim como outros animais, esponjas produzem
óvulos e esperma, que geram embriões. Larvas de esponja nadam pelas
águas para encontrar um bom lugar onde possam se estabelecer para a vida
sedentária e crescer, tornando-se adultas. Seu desenvolvimento é um
processo peculiarmente sofisticado, com células-tronco dando origem a
diversos tipos de células.
O primeiro genoma de esponja foi publicado só em agosto. Ele ofereceu
aos cientistas a oportunidade de comparar o DNA das esponjas com o de
outros animais, bem como com o da “Capsaspora” e outros de seus parentes
unicelulares. Os pesquisadores observaram cada gene no genoma da
esponja e tentaram compará-lo a grupos de genes de outras espécies
relacionados, conhecidos como famílias de genes.
No total eles encontraram 1.268 famílias de genes compartilhados por
todos os animais – incluindo esponjas – mas não por outras espécies.
Esses genes foram presumidamente transmitidos para os animais viventes
de um ancestral comum que viveu há 800 milhões de anos. Via pesquisa
deste catálogo, os cientistas podem inferir algumas coisas sobre como
era esse ancestral. “Não eram apenas bolota de células amorfas”, afirmou
Bernard M. Degnan da Universidade de Queensland. Na verdade eles já
expeliam óvulos e esperma. Ele podia produzir embriões e apresentar
padrões complicados no seu corpo.
Versatilidade e oxigênio — Entretanto, os animais não apenas
desenvolveram corpos pluricelulares. Eles também parecem ter
desenvolvido novas formas de gerar diferentes tipos de corpos. Os
animais estão mais propensos a mutações que recombinam partes de suas
proteínas em novos arranjos, processo conhecido como “domain shuffling”,
que consiste numa recombinação de domínios proteicos. “O 'domain
shuffling’ parece ser crítico”, afirmou Degnan.
Degnan e seus colegas encontraram outra fonte de inovação em animais em
uma molécula chamada microRNA. Quando as células produzem as proteínas
dos genes, elas fazem uma cópia do gene numa molécula chamada RNA. Mas
as células de animais também fazem microRNAs que podem atacar moléculas
de RNA e destruí-las antes que elas tenham chance de fazer proteínas.
Dessa forma elas podem agir como outro tipo de chave para controlar a
atividade dos genes.
Os microRNAs parecem não existir em parentes unicelulares de
animais. Esponjas têm oito microRNAs. Os animais com mais tipos de
células que evoluíram mais tarde também desenvolveram mais microRNAs. Os
humanos têm 677, por exemplo. Os microRNAs e o “domain shuffling” deram
aos animais uma nova fonte poderosa de versatilidade. Eles ganharam os
meios para desenvolver novas maneiras de produzir uma ampla variedade de
formas – de grandes predadores a comedores de lodo.
Essa versatilidade pode ter permitido a animais primitivos se
aproveitarem das mudanças que estavam ocorrendo ao seu redor. Cerca de
700 milhões de anos atrás a Terra saiu das garras de uma era do gelo
mundial. Noah Planavsky, também da Universidade da California em
Riverside, e seus colegas descobriram em pedras dessa idade indícios de
um afluxo repentino de fósforo para os oceanos no mesmo período. Eles
especulam que conforme as geleiras derreteram, o fósforo foi lavado da
terra exposta para o mar e agido como uma dose concentrada de
fertilizante, estimulando o crescimento de algas.
Isso pode ter levado à elevação rápida do oxigênio no oceano ao mesmo tempo.
Os animais podem ter sido preparados para usar oxigênio extra como forma
de abastecer grandes corpos, usados para devorar outras espécies. “Era
um nicho a ser ocupado”, disse Ruiz-Trillo, “e ele foi ocupado assim que
o mecanismo molecular estava pronto.”
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