domingo, 7 de maio de 2017

Texto: "Multicelularidade" Para as turmas 2006-2007-2008

Tema : Multicelularidade - Evolução : Organismo unicelular pode explicar origem do reino animal

Espécie descoberta em 2002 pode esclarecer o que tornou possível o aparecimento dos animais, algo que até hoje não foi plenamente entendido  ( The New York Times)
A origem dos animais é um dos episódios mais misteriosos na história da vida. A transformação de um organismo unicelular em um coletivo de um trilhão de células exige uma enorme reestruturação genética.Espreitando no sangue de caracóis tropicais há uma criatura unicelular chamada Capsaspora owczarzaki. Esta espécie ameboide com “tentáculos” é tão obscura que ninguém a havia notado até 2002. Mesmo assim, em poucos anos ela passou do anonimato a foco do mundo científico. Acontece que ela é um dos parentes mais próximos dos animais. Por incrível que pareça, nossos ancestrais há um bilhão de anos eram bem semelhantes à Capsaspora.
A origem dos animais foi uma das transformações mais extraordinárias e importantes na história da vida. Eles evoluíram de ancestrais unicelulares até uma profusão de complexidade e diversidade. Hoje estima-se que sete milhões de espécies de animais vivem na Terra, desde vermes tubícolas no fundo do oceano a elefantes se arrastando pesadamente pela savana africana. Seus corpos podem conter trilhões de células capazes de se transformar em músculos, ossos e centenas de outros tipos de tecidos e de células.
O amanhecer do reino animal, cerca de 800 milhões de anos atrás, também foi uma revolução ecológica. Os animais devoraram os tapetes microbianos que haviam dominado os oceanos por mais de 2 bilhões de anos e criaram seus próprios habitats, como os recifes de corais. A origem dos animais é um dos episódios mais misteriosos na história da vida. A transformação de um organismo unicelular em um coletivo de um trilhão de células exige uma enorme reestruturação genética. A espécie intermediária que poderia mostrar como a transição aconteceu está extinta.“Estão faltando apenas os passos intermediários”, afirmou Nicole King, bióloga evolutiva da Universidade da Califórnia em Berkeley.
Pistas evolutivas — Para entender como os animais assumiram esta forma de vida peculiar, os cientistas estão reunindo diversas linhas de indícios. Alguns usam martelos de pedra para retroceder ao registro fóssil de animais dezenas de milhões de anos atrás. Outros estão encontrando assinaturas químicas de animais em pedras antigas. Ainda há um terceiro grupo examinando os genomas de animais e de seus parentes como a “Capsaspora” para reconstruir a árvore evolutiva dos animais e de seus parentes mais próximos. Surpreendentemente, eles descobriram que muito do equipamento genético para a formação de um animal já existia bem antes do próprio reino animal.
Foi apenas nos últimos anos que os cientistas chegaram a uma noção consistente do que são os parentes mais próximos dos animais. Em 2007 o National Human Genome Research Institute iniciou um projeto internacional para comparar o DNA de diferentes espécies e traçar uma árvore genealógica.
Os primos dos animais são um grupo diversificado. Ao lado da habitante de caracóis, a Capsaspora, nossos parentes mais próximos incluem coanoflagelados, criaturas semelhantes a amebóides que vivem em água limpa, na qual elas caçam bactérias.
Agora os cientistas estão tentando entender como um organismo unicelular como a Capsaspora ou um coanoflagelado se tornou um animal pluricelular. Por sorte eles podem obter algumas pistas a partir de outros casos nos quais micróbios fizeram a mesma transição. Plantas e fungos evoluíram de ancestrais unicelulares, bem como dúzias de outras linhagens menos familiares, de algas pardas a fungos mixomicetos. A pluricelularidade primitiva pode ter evoluído com certa facilidade. “Tudo que precisa acontecer é que os produtos da divisão celular se mantenham unidos”, disse Richard E. Michod, da Universidade do Arizona. Uma vez que organismos unicelulares passaram permanentemente para colônias, começaram a se especializar em funções diferentes. Esta divisão de trabalho tornou as colônias mais eficientes. Elas conseguiam crescer mais rápido do que colônias menos especializadas.
Em determinado ponto a divisão de trabalho pode ter levado muitas células dos protoanimais a perder sua habilidade de reprodução. Apenas um pequeno número de células ainda fabricava as proteínas necessárias para produzir descendentes. Assim, as células no resto do corpo poderiam se concentrar em funções como juntar alimento e lutar contra doenças.
“Não é um obstáculo”, afirmou Bernd Schierwater, da Universidade de Medicina Veterinária em Hannover, Alemanha. “É uma ótima maneira de ser muito eficiente”.
Reciclagem de células — Mas a multicelularidade também lançou novos desafios aos ancestrais dos animais. “Quando há morte de células num grupo, elas podem intoxicar umas às outras”, afirmou Michod. Nos animais as células morrem de forma ordenada, assim elas liberam relativamente poucas toxinas. E ocorre o contrário: as células que estão morrendo podem ser recicladas por suas companheiras vivas. Outro perigo apresentado pela pluricelularidade é a capacidade de uma única célula de crescer às custas de outras. Hoje esse perigo ainda assombra: o câncer é o resultado de algumas células se recusando a jogar pelas mesmas regras que as demais no nosso corpo. Mesmo simples organismos multicelulares têm defesas evoluídas contra esses trapaceiros. Um grupo de algas verdes conhecido como “volvox” desenvolveu um limite para o número de vezes que qualquer célula pode se dividir. “Isso ajuda a reduzir o potencial de células serem renegadas”, disse Michod. Para descobrir as soluções que os animais desenvolveram os pesquisadores agora estão sequenciando os genomas dos seus parentes unicelulares. Eles têm descoberto uma profusão de genes que se acreditava existir apenas em animais.
Genes em comum — Para decifrar as soluções que os animais desenvolveram, os pesquisadores agora estão sequenciando os genomas de seus parentes unicelulares. Inaki Ruiz-Trillo, da Universidade de Barcelona, na Espanha, e seus colegas, estudaram o genoma “Capsaspora” procurando por um grupo importante de genes que codifica proteínas chamadas fatores de transcrição. Fatores de transcrição ativam e desativam outros genes e alguns deles são vitais para a transformação de um óvulo fertilizado no corpo de um animal complexo. Na última edição de Molecular Biology and Evolution, Ruiz-Trillo e seus colegas relatam que a Capsaspora possui vários fatores de transcrição que se acreditava serem exclusivos dos animais. Por exemplo: eles encontraram um gene na Capsaspora que é quase idêntico ao gene animal Brachyury. Nos humanos e em muitas outras espécies animais o Brachyury é essencial para o desenvolvimento dos embriões, designando uma camada de células que se tornarão o esqueleto e os músculos.
Ruiz-Trillo e seus colegas não têm ideia do que a “Capsaspora” faz com um gene Brachyury. Neste momento eles estão fazendo experimentos para descobrir. Enquanto isso, Ruiz-Trillo especula que parentes unicelulares dos animais usam o gene Brachyury, junto com outros fatores de transcrição, para ativar genes para outras funções. “Eles têm de conhecer seu ambiente”, disse Ruiz-Trillo. “Eles têm de se unir a outros organismos. Eles têm de comer presas”.
Estudos de outros cientistas apontam para a mesma conclusão: muitos dos genes que se pensava serem exclusivos do reino animal estavam presentes nos ancestrais unicelulares dos animais. “A origem dos animais dependeu de genes que já estavam em seus lugares”, disse King. King defende que na transição para animais plenos esses genes foram cooptados para controlar um corpo multicelular. Genes antigos começaram a exercer novas funções, como produzir a cola para manter as células unidas e que poderiam se transformar em tumores.
Esponjas — Por décadas paleontólogos procuraram pelos fósseis que registrassem esta transição até os primeiros animais. Ano passado, Adam Maloof, de Princeton, e seus colegas publicaram com detalhes o que eles sugerem que sejam os fósseis animais mais antigos já encontrados. Os despojos, descobertos na Austrália, datam de 650 milhões de anos atrás. Eles contêm internamente redes de poros, similares aos canais existentes em esponjas vivas.
As esponjas também podem ter abandonado traços antigos. Gordon Love, da Universidade da Califórnia em Riverside, e seus colegas perfuraram depósitos de petróleo na Austrália datando de pelo menos 635 milhões de anos atrás. Na mistura de hidrocarbonos retirados, eles encontraram moléculas do tipo do colesterol que hoje são produzidas apenas por um grupo de esponjas.
O fato de as esponjas aparecerem tão cedo nos registros fósseis provavelmente não é coincidência. Estudos recentes sobre genomas de animais indicam que elas estão entre as linhagens mais antigas de animais viventes – se não são a mais antiga. As esponjas também são relativamente simples se comparadas à maioria dos outros animais. Elas não têm cérebro, estômagos ou vasos sanguíneos.
Apesar de sua aparente simplicidade, elas possuem carteirinhas de membros do reino animal. Assim como outros animais, esponjas produzem óvulos e esperma, que geram embriões. Larvas de esponja nadam pelas águas para encontrar um bom lugar onde possam se estabelecer para a vida sedentária e crescer, tornando-se adultas. Seu desenvolvimento é um processo peculiarmente sofisticado, com células-tronco dando origem a diversos tipos de células.
O primeiro genoma de esponja foi publicado só em agosto. Ele ofereceu aos cientistas a oportunidade de comparar o DNA das esponjas com o de outros animais, bem como com o da “Capsaspora” e outros de seus parentes unicelulares. Os pesquisadores observaram cada gene no genoma da esponja e tentaram compará-lo a grupos de genes de outras espécies relacionados, conhecidos como famílias de genes.
No total eles encontraram 1.268 famílias de genes compartilhados por todos os animais – incluindo esponjas – mas não por outras espécies. Esses genes foram presumidamente transmitidos para os animais viventes de um ancestral comum que viveu há 800 milhões de anos. Via pesquisa deste catálogo, os cientistas podem inferir algumas coisas sobre como era esse ancestral. “Não eram apenas bolota de células amorfas”, afirmou Bernard M. Degnan da Universidade de Queensland. Na verdade eles já expeliam óvulos e esperma. Ele podia produzir embriões e apresentar padrões complicados no seu corpo.
Versatilidade e oxigênio — Entretanto, os animais não apenas desenvolveram corpos pluricelulares. Eles também parecem ter desenvolvido novas formas de gerar diferentes tipos de corpos. Os animais estão mais propensos a mutações que recombinam partes de suas proteínas em novos arranjos, processo conhecido como “domain shuffling”, que consiste numa recombinação de domínios proteicos. “O 'domain shuffling’ parece ser crítico”, afirmou Degnan.
Degnan e seus colegas encontraram outra fonte de inovação em animais em uma molécula chamada microRNA. Quando as células produzem as proteínas dos genes, elas fazem uma cópia do gene numa molécula chamada RNA. Mas as células de animais também fazem microRNAs que podem atacar moléculas de RNA e destruí-las antes que elas tenham chance de fazer proteínas. Dessa forma elas podem agir como outro tipo de chave para controlar a atividade dos genes.
Os microRNAs parecem não existir em parentes unicelulares de animais. Esponjas têm oito microRNAs. Os animais com mais tipos de células que evoluíram mais tarde também desenvolveram mais microRNAs. Os humanos têm 677, por exemplo. Os microRNAs e o “domain shuffling” deram aos animais uma nova fonte poderosa de versatilidade. Eles ganharam os meios para desenvolver novas maneiras de produzir uma ampla variedade de formas – de grandes predadores a comedores de lodo.
Essa versatilidade pode ter permitido a animais primitivos se aproveitarem das mudanças que estavam ocorrendo ao seu redor. Cerca de 700 milhões de anos atrás a Terra saiu das garras de uma era do gelo mundial. Noah Planavsky, também da Universidade da California em Riverside, e seus colegas descobriram em pedras dessa idade indícios de um afluxo repentino de fósforo para os oceanos no mesmo período. Eles especulam que conforme as geleiras derreteram, o fósforo foi lavado da terra exposta para o mar e agido como uma dose concentrada de fertilizante, estimulando o crescimento de algas.
Isso pode ter levado à elevação rápida do oxigênio no oceano ao mesmo tempo.
Os animais podem ter sido preparados para usar oxigênio extra como forma de abastecer grandes corpos, usados para devorar outras espécies. “Era um nicho a ser ocupado”, disse Ruiz-Trillo, “e ele foi ocupado assim que o mecanismo molecular estava pronto.
(Revista Veja -março de 2011)

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